sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Esse semana li essa crônica, e ela me encantou muito..porque é bem o tipo de coisa que eu me pego fazendo sempre. Observando as pessoas e imaginando quem são, como são, e o que pretendem.
Tudo bem, sei que isso parece voyeurismo, tá...é voyeurismo, mas saudável..não leve no sentido literal da coisa..rsrsrs

Vamos à crônica, é isso que importa!



Numa tarde de verão

por Manuel Carlos

Casca de limão no copo de água gelada. Muito calor. Um casal, numa mesa próxima, conversa sobre o comportamento de um filho de 11 ou 12 anos, que devora uma taça imensa de sorvete, fingindo não perceber que a conversa é sobre ele. Olho atentamente o menino e me vem à memória a figura do Gustavo, um colega do internato, quando juntos cursávamos o 1º ano do ginásio. Éramos os mais populares da escola. Eu, por ser insubordinado, respondão, desatento, enfim: um péssimo exemplo. Ele, por ser simplesmente o melhor aluno de quantos haviam passado por aqueles bancos escolares em quase 100 anos!

– Brilhante – como a ele se referia o padre Campelo, reitor do internato católico.

E com a mesma ênfase, sempre que batia os olhos em mim, o piedoso sacerdote sapecava na minha cara:

– Perdido!

Só quem conviveu com padres sabe o peso que tem, para eles, a palavra perdido, que se refere à perdição nas profundezas do inferno, onde não há luz nem sombra, mas só gemidos e ranger de dentes.
Bem, mas o Gustavo propriamente dito não tinha culpa de ser o bom e eu, o ruim. Tenho dele, na memória, dois momentos precisos. O primeiro numa aula de português, em que ele foi o único aluno a saber o significado da palavra burocracia. Um sucesso que rendeu aplausos de toda a classe. E o segundo, de uma tarde em que eu, querendo bancar o gozador, perguntei, de repente, na frente de todos os colegas:

– Mata esta, Gustavo: você sai de um lugar lotado e diz para quem está esperando: há muita gente ou... tem muita gente lá dentro?

E Gustavo, em cima:

– Digo: está cheio lá dentro!

Eu me lembro de que sorri amarelo e fui alvo da gozação geral. É, pensando melhor agora, concordo com o padre Campelo: Gustavo era realmente brilhante!

Sorri comigo mesmo dessas remotas e tolas lembranças e pedi mais uma garrafa de água mineral. O calor parecia aumentar.

Foi quando ela entrou timidamente na chocolateria. Teria não mais que 20 anos, vestia-se com simplicidade e percebia-se, num relance, que entrava ali pela primeira vez. Sem levantar muito os olhos, foi até o balcão. O que me chamou a atenção nessa mocinha bonita e tímida foi justamente o esforço que ela fazia para não chamar atenção. Percebia-se nela o desejo de ser invisível e poder atravessar a vida e a sala da Envidia sem ser percebida. No balcão, ela olhou sem pressa a vitrine e escolheu, cuidadosamente, quatro bombons de recheios diversos. Enquanto eram colocados numa elegante caixinha, ela tirou da bolsa a carteira e catou o dinheiro necessário, usando até mesmo algumas moedas. Fiquei acompanhando com carinho seus gestos silenciosos e modestos. E me pus a imaginar que destino teriam aqueles preciosos chocolates.

Novinha como era, mesmo que tivesse um filho, ele não estaria em idade de comer bombons recheados. Seriam para a mãe? Para uma irmã mais nova? Para o marido? Não, ela não tinha a aparência de uma moça casada. Bem, seria então para o namorado, com quem brigara no dia anterior e agora, com aqueles quatro bombons, esperava fazer as pazes. É, concluí, só pode ser para o namorado.

E aí ela saiu. Pela porta envidraçada, o sol forte lá fora, pude ver quando a mocinha modesta e tímida parou na calçada, abriu a caixinha cuidadosamente e se pôs a comer os bombons, saboreando-os um a um, os olhos se entreabrindo e se entrefechando de prazer.

E foi inevitável a lembrança de uma reflexão de Albert Einstein: a de que a imaginação é mais importante que o conhecimento. Mas também concluí, agora por minha conta, que a realidade pode ser mais poética do que a imaginação.




Bom Final de semana.

Um comentário:

  1. Oie
    Td bem?
    Tem mimo pra vc no meu blog
    Bjss
    http://trapochic.blogspot.com/2009/02/meu-primeiro-mimo_11.html

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